Subrahmanyam nos presenteia com uma coleção de artigos que já foram publicados em formatos diferentes em outros periódicos entre 2005 e 2017, mas que são apresentados neste livro numa nova feição. Aqui, os artigos são ligados de modo a dar coerência a uma abordagem que prioriza a conexão da história de vários impérios enquanto se manufatura uma história global desde o início da modernidade sem invocar, inicialmente e enquanto ponto de partida, a Europa.
Erudito como sempre, seja no uso das fontes, das línguas ou como facilmente se translada de um lugar do mundo para outro, oferece opções a tradições historiográficas e teorias críticas ao manejar e articular a crítica pós-colonial, a micro-história, a macro-história, a história intelectual, os estudos de área, a história mundial e a história global. O livro reflete, definitivamente, a formação de Sanjay: a Índia dos estudos subalternos e pós-coloniais e sua educação na economia (o livro está| recheado de expressões como interações comerciais; presença comercial; contato marítimo; negócio e comércio; mundo político fiscal e das instituições comerciais; rotas; governo e especiarias; a pimenta e as cargas) e na história. Mais, além, reflete sua dedicação ao estudo dos impérios. Às vezes parece ser o mesmo Subrahmanyam no estilo literário e elegante digno de um clássico texto ›boxeriano‹, mas de conteúdo inovador como nenhum outro precedente. O que é constante é a honestidade até das limitações, com a consciência do que é possível fazer com as fontes e as habilidades disponibilizadas pelos especialistas, sejam linguísticas ou técnicas.
Com estas influências, locais de fronteiras fluidas independentes de fontes oficiais são conectados. Impérios são relacionados com detalhes de espaços específicos, pouco mencionados quando se estuda a Ásia, por exemplo. Mas não só: embora treinado na Índia, é o já conhecido foco de Subrahmanyam nos Impérios Ibéricos que levanta o questionamento da periodização e estabelecimento dos próprios impérios; os processos de aculturação, a exploração econômica e a homogeneização cultural.
O livro possui uma introdução e dez capítulos. Para além do título, que evoca impérios cristãos e islâmicos, as conexões acontecem entre as histórias de tradições europeias, islâmicas, japonesas, chinesas. Sua proposta das ›histórias conectadas‹ desfaz uma visão dos impérios enquanto estruturas monotemáticas e unilaterais, únicas e isoladas ao repensar uma tentativa de reconciliar distintas trajetórias seguidas na Ásia e na América na formação dos impérios. Também reflete sobre a relação conceitual entre os impérios no início da modernidade (1450–1750) e os períodos mais tardios como o século XVIII, inclusive desmontando continuidades entre a passagem de império para Estado-nação.
Assim, para além do método clássico da comparação usado para criticar o ›império único‹, Subrahmanyam reconhece e domina os desenvolvimentos proporcionados pelas Entangled Histories, Integrative History, Histoire croiseé e opta pela Connected Histories. Mas sua proposta para fazer uma história global não é necessariamente mais simples: é preciso uma maior diversidade de arquivos e documentos, mais confronto de materiais, mais esforços linguísticos e intelectuais, mais formas de colaboração e, de certa forma, menos estabilidade dos objetos de estudo. Este caminho é praticamente provocativo: pode ou não contribuir para uma história global porque está baseado no que ele chama de regimes circulatórios: as conexões não precisam ter a mesma intensidade, duração ou complexidade em todos os lugares.
Mas muitas das dificuldades e possíveis pretensões são desfeitas quando Subrahmanyam começa a fazer sua mágica a partir das fontes: no início e no fim do livro, por exemplo, ele questiona como se relaciona o que se sabia no início da modernidade e o que se sabe hoje com o que se define e se imagina como espaços imperiais. A Ásia, por exemplo, deve ser problematizada pelas histórias conectadas como um espaço que foi moldado, dividido e delineado por vários projetos imperiais. Por isso, vale a pena questionar, como ele faz no capítulo 11 (346), se devemos falar apenas em uma Ásia: »One Asia, or many?« considerando que as representações comuns da Ásia vem do período posterior a 1500, quando a planificação do mundo teve que incluir a América entre as suas quatro partes. Desde então, a linha de demarcação entre Europa e Ásia mudou bastante com o tempo. Mas: »(…) did Europeans always know for sure who they themselves were, and who their Others were?« (379) E assim, os casos florescem. Por exemplo, a configuração e representação do Estado da Índia ›português‹ no começo do século XVI precisa considerar o balanço da ›ignorância‹, feito no capítulo 2, e questionar como os portugueses sabiam e imaginavam a Ásia (conhecer e saber); por que separavam grupos religiosos e sociais; e/ou como rotas mudaram o desfecho da história. A compreensão dos espaços são essenciais aqui – o controle e a ›descoberta‹ reportada do Cabo da Boa Esperança, do Mar Vermelho, dos Oceanos Mediterrânico e Índico servem para fazer conexões especiais: Veneza e Egito; Portugal e o Império Vijaganagara.
Para complementar a composição dos espaços, Subrahmanyam reforça no capítulo 3 como italianos foram precursores dos portugueses na Expansão desde o século XIII a partir da circulação de missionários, intelectuais, mercadores e negociadores. Eles também contribuíram, posteriormente, para a configuração do Estado da Índia mesmo quando exerceram papéis secundários, tornando, por exemplo, ainda mais complexas as estratégias de governança do rei D. Manuel. Ainda no século XVIII, médicos e artilharia italiana mostram que a conexão entre a Itália, Portugal e a Índia, mesmo depois do fim da abertura do Império Mongol (1250–1350), teve várias formas.|
Os britânicos são vistos como influenciados por seus predecessores no capítulo 7, os ibéricos, conectados por seus hábitos e instituições. Para abrir os olhos para a aparente inusitada conexão, Subrahmanyam critica a nova história imperial e a teoria pós-colonial. As relações entre e intra os impérios não podem mais ver vistas como bilaterais; metrópole e colônia não são domínios isolados porque os impérios eram regidos por indivíduos com aspirações diferentes e por vezes conflitivas – corroborando as interpretações historiográficas que negam que os impérios possuíam um plano de colonização fixo e idêntico para todas as partes do mundo. Ao mesmo tempo, eram frágeis, precários, porosos, multiculturais, multilíngues … É preciso partir dos avanços historiográficos e novos métodos para o estudo dos impérios trazidos pela antropologia, sociologia, psicologia; e das áreas e sujeitos que eram silenciados antes: escravos, mulheres, das questões de gênero, do ambiente e da ecologia para acrescentar à comparação as experiências imperiais diferentes, afastando uma orientação demasiado anglo-americana.
Outras várias combinações de como os impérios se conectam ainda podem ser percebidas a partir de grupos localizados apresentados no capítulo 4, como alguns súditos do rei de Portugal na Ásia: os casados (aqueles que se casavam no local e que exigiam um estatuto especial em relação à administração local), moradores e os mercadores asiáticos que continuaram a residir em portos como Melaka. Essas vozes ›de baixo‹ expõem as tensões e fissuras do império, assim como num plano mais amplo, no capítulo 6, outras conexões mostram como os Habsburgos e o muçulmano rival Otomano e o Mughal devem ser comparados através de regimes de conexões quanto à rivalidade, diversidade, política, institucional, aos arranjos culturais, períodos de existência e influências; condições imperiais; ao declínio; ao funcionamento político e institucional e à tolerância religiosa em termos de diversidade.
Se as fontes podem mudar a historiografia atual, elas também podem fazer rever as formas de representação historiográfica e como entendemos como a história foi feita desde o início da modernidade. No capítulo 8, novas formas de World History, por exemplo, podem ser observadas na construção dos impérios – que não têm necessariamente relação com a Weltgeschichte de Hegel, mas um caráter acumulativo, em geral desordenado, não simétrico em natureza e que não eram produzidas por historiadores oficiais. Sanjay nega que a História seja unicamente entendida como uma invenção ocidental e desconhecida do mundo no começo do século XIX ao considerar que a história e a escrita da história podem ser encontradas em várias sociedades como a árabe, persa, chinesa (falantes) dos séculos XVI e XVII. A ideia de um mundo muito mais amplo já estava presente em fontes de diversos gêneros, mesmo antes da Expansão Ibérica, como é demonstrado através da análise de mapas, poemas épicos e outras estórias.
Por isso, advoga no capítulo 11 por uma História Intelectual Global baseado na ideia de redes intelectuais transversais para além das fronteiras dos impérios e que procure resistir ao impulso de descrever intelectuais europeus de forma heroica, para além de um legado apenas Europeu. Se hoje há muita especulação e dúvidas sobre os processos de globalização e sobre períodos da história global, Subrahmanyam está convencido de que a história não é um gênero singular, mas pode ser escrita em vários gêneros, negando a hegemonia de um modelo em que a Europa produz sozinha e depois exporta uma modernidade para o mundo.
Entretanto, embora provenientes de tantos lugares, as fontes escolhidas dizem menos sobre situações do dia-a-dia e da vida dos habitantes dos espaços, como as pessoas percebiam de cada um dos locais onde estavam os impérios que iam e vinham e, principalmente, como elas se identificavam ou se moviam. Esta é uma opção repetidamente utilizada por Subrahmanyam em sua obra como um todo, que sem diminuir os aproveitamentos que fazemos de seus estudos, pode contribuir para uma discussão mais ampla já desenvolvida pela história e pela história do direito sobre os processos de globalização e a relação entre o global e o local nos espaços imperiais. Para isto, torna-se necessário ampliar, de fato, o entendimento do que é uma fonte do direito para cada período e local específico nos contextos imperiais. Quando focamos em alguns gêneros e fontes menos detalhadas do cotidiano, como crônicas, cartas oficiais de capitães e governadores, diário de viajantes, tratados e leis gerais, convém também não relativizar a configuração dos poderes e da violência nestes locais, mas como, de fato, os impérios moldaram a vida das populações locais também criando e modificando significados de normas.
Com este corpus sólido de argumentos e fontes, Sanjay nos proporciona opções ao questionamento da produção historiográfica, desafia o eurocentris|mo, o viés reducionista do nacionalismo e a unilateralidade do imperialismo e da maneira de fazer histórias pós-coloniais, além de questionar indiretamente o anacronismo com uma ponderação da própria reflexão intelectual sobre o mundo global no passado, contestando visões orientalistas que pregavam que na Ásia a complexidade do mundo antes do colonialismo moderno nunca foi considerada. Assim, com esta obra, damos um passo adiante na compreensão de como os impérios só podem ser entendidos na sua interação com outros espaços e seus vários sujeitos.
* Sanjay Subrahmanyam, Empires Between Islam and Christianity, 1500–1800, Albany/NY: Suny Press 2019, 472 p., ISBN 978-1-4384-7435-9